Os efeitos do (não tão) novo crediário para o Varejo




Para Enéas Pestana, o consumidor vive em um círculo vicioso, no qual impulsionado pela ilusão do parcelado sem juros e/ou pela disponibilidade de crédito, não faz compras conscientes e responsáveis, o que gera endividamento e, consequentemente, inadimplência, que, por sua vez, aumenta a taxa de juros praticados pelos bancos.

O sócio-fundador da EP&A escreveu um artigo sobre esta modalidade para a revista No Varejo.

Em maio, participei de um painel para falar sobre os efeitos que o “novo” crediário poderia trazer para o Varejo. A discussão é interessante e acredito que este artigo possa esclarecer alguns pontos sobre o tema.

O chamado “novo” crediário, que na prática não tem nada de novo, trata-se de uma modalidade que já tem sido praticada pelos bancos. Em resumo, é o parcelado com juros, com prazos que vão além do limite de 12 parcelas, no próprio cartão de crédito. A oferta não tem provocado a extinção do parcelado sem juros e tampouco provocou a extinção do crediário convencional (normalmente) operado pelo próprio lojista e ainda, na prática, não está havendo nenhum tipo de impacto significativo para o consumidor, assim como para o lojista e para os bancos ou as instituições financeiras.

Hoje em dia, o parcelado sem juros no cartão de crédito representa mais de 50% das compras, o que equivale a, aproximadamente, R$ 400 bilhões, ou 7% do PIB. No ano passado, as transações com cartões atingiram R$ 1,4 tri com 12% de crescimento. A prática do parcelado e, principalmente, o sem juros é tradicional, exclusiva e consolidada no Brasil, portanto é compreensível a preocupação de que uma “nova” modalidade pudesse eliminar ou substituir integralmente o parcelado sem juros, mas isso não deve acontecer. Evidentemente, para os bancos ou as instituições financeiras, a ideia de reduzir ou até mesmo eliminar o parcelado sem juros, migrando para o parcelado com juros, é um sonho de consumo, já de longa data.

Por outro lado, é necessário que o consumidor seja conscientizado para entender que, na verdade, o parcelado sem juros não existe. Os juros sempre estão embutidos (direta ou indiretamente através do mix de margem do varejista), aumentando as margens dos produtos e, consequentemente, seus preços finais. Isso significa que o consumidor sempre paga esse custo financeiro e, pior, sem saber quanto está pagando.

Para deixar a situação mais tangível: o Brasil possui hoje uma das mais baixas taxas de juros da sua história (6,5% a.a. nominal, o que representa perto de 4% a.a. real) e uma taxa de cartão de crédito rotativa que ronda 220% a.a. Como é possível explicar para o consumidor que os bancos captam seus recursos por taxas ao redor de 6,5% a.a. e cobram taxas ao redor de 4% ao mês no “novo” crediário?

Entendo que, há muitos anos, vivemos dentro de um círculo vicioso, pois o consumidor mal-informado, impulsionado pela ilusão do parcelado sem juros e/ou pela disponibilidade de crédito – caro, mas de longo prazo (48 ou até 54 parcelas) –, não faz compras conscientes e responsáveis, o que gera endividamento das famílias e, consequentemente, inadimplência, que, por sua vez, aumenta a taxa de juros praticados pelos bancos.

Em resumo, a modalidade de parcelado com juros e prazos mais longos, chamada de “novo crediário”, não tem nada de “novo”, não tem força para eliminar o parcelado sem juros, portanto é, apenas, mais uma forma de ofertar crédito muito caro para um consumidor cada vez mais endividado.

Para conseguir interromper isso, é necessário que o consumidor brasileiro aprenda a poupar e a comprar de forma mais consciente. Isso sim pode nos levar a um crescimento sustentável na relação vendas/consumo.

Fonte: Revista No Varejo