Efeito Cupim




Sérgio Nóia, sócio sênior da EP&A, participou da primeira reportagem da série Atitudes, da revista Supermercado Moderno, na qual falou sobre Compliance e Governança Corporativa dentro das empresas.

A reportagem tem como tema central a importância da ética dentro das empresas e tem o objetivo de mostrar os malefícios que atos ilícitos podem causar no desempenho das companhias.

 

Estudos indicam que a degradação do lucro é, muitas vezes, mascarada pela alta nas vendas. Entenda os prejuízos gerados, a necessidade de agir contra o problema e o que você pode fazer

Propinas, sonegação e outros atos ilícitos destroem a empresa por dentro. É o que apontam estudos recentes feitos no Brasil e no exterior. Um deles, realizado pela Universidade Harvard, constatou queda no lucro de empresas que operam em ambientes corruptos. O dinheiro que deveria ser investido em melhoria da eficiência passa a ser destinado a pagamentos ilícitos. em troca de vantagens indevidas, a empresa compromete os resultados, sobretudo no longo prazo. Saiba mais nesta reportagem. Ela inicia a Série Atitude, que procura mostrar a necessidade de novos comportamentos.

Da mesma forma que o cupim consome a madeira, as práticas ilícitas, como pagamento de propinas e sonegação de impostos, corroem a empresa. Embora a sensação seja de obter vantagens, estudos feitos mostram que os efeitos da falta de ética são nocivos para as organizações. Essas práticas reduzem o lucro, minam a eficiência dos investimentos e derrubam o valor de mercado. Geram perdas financeiras, mascaradas pelo crescimento do negócio, e riscos cada vez mais concretos de penalidades que vão de multas a prisões com todo o seu acervo de desastres: a empresa perde credibilidade, a família sofre, o futuro fica mais difícil ou impossível. Segundo consultores, apesar da sensação de impunidade, as notícias de empresas envolvidas em irregularidades são bem mais frequentes hoje do que há 10 ou 20 anos. O professor Leonardo Rocha, que lidera um núcleo de estudos sobre o impacto da corrupção na performance das empresas, composto por várias universidades brasileiras, está otimista. Para ele, a corrupção está chegando a um ponto de inflexão, quando os empresários se sentem pressionados a mudar. “Temos mecanismos de controle mais incisivos do que no passado, o que torna os riscos para as empresas maiores”, afirma.

Principais irregularidades no setor
Há casos de atitudes ilícitas praticadas tanto por donos de empresas quanto por funcionários. Elas envolvem desde pagamentos a órgãos públicos em troca de benefícios indevidos até fraudes praticadas internamente, seja em nome da empresa ou para obter vantagens individuais. Entre as práticas mais comuns, apontam fontes do mercado, estão:

  • Pagamento de subornos a funcionários de órgãos públicos (fiscais de segurança alimentar e de trabalho, responsáveis por alvarás de funcionamento, entre outros)
  • Propinas para políticos a fim de conseguir incentivos ou outras vantagens
  • Pagamento de salário de funcionários por fora
  • Pagamento por fora a compradores, feito pelo fornecedor, para fechar um pedido ou contrato (inclusive de equipamentos e insumos)
  • Sonegação de impostos
  • Pagamento de “comissão” a um executivo, quando um imóvel (supervalorizado) é o escolhido

Estudo Harvard: lucro diminui

Para muitos empresários, práticas irregulares são necessárias para manter o negócio ativo e fazê-lo crescer. Nos últimos anos, entretanto, surgiram pesquisas que concluem o contrário. Uma delas foi feita por dois professores de Harvard, que analisaram o impacto da corrupção no desempenho das companhias e constataram que a falta de ética desvia a atenção e os recursos do negócio, o que reduz a eficiência e corrói o lucro.

No estudo global, os professores de Harvard, Paul Healy e George Serafeim, analisaram a performance de 480 companhias durante três anos, segmentando-as de acordo com a existência de mecanismos que inibem práticas irregulares e o nível de corrupção do local em que atuam (alto ou baixo). O resultado foi claro: em locais onde a corrupção é mais alta, as empresas elevam as vendas, porque obtêm vantagens que favorecem o crescimento, mas reduzem o lucro líquido em 5%, em média. Os subornos fazem com que a companhia entre em um ciclo vicioso, no qual recursos que deveriam ser direcionados ao desenvolvimento do negócio sejam desviados para práticas irregulares. Dessa forma, a empresa chega a um ponto em que nem mesmo a alta no faturamento gerada indiretamente pela corrupção compensa as ineficiências e a falta de produtividade. Resultado: a organização vai perdendo competitividade, reduzindo margem, lucrando cada vez menos. O estudo também apontou que muitas empresas não se dão conta de que os valores destinados a subornos transformaram-se em despesas. Os professores de Harvard citam o caso mundialmente conhecido da alemã Siemens. Em uma investigação realizada em 2006 nos Estados Unidos, a empresa teve revelado o pagamento de propinas a autoridades de diversos países. Segundo os estudiosos, o custo da corrupção para a empresa – considerando os valores desembolsados – correspondia a 3% da receita global da companhia.

-5% redução média do lucro líquido em empresas com operação em ambientes corruptos

No Brasil, onde a corrupção se transformou num escândalo diário, a pressão por mudanças deve crescer. “O brasileiro quer se relacionar com empresas éticas”, afirma Rodrigo Pironti, advogado e doutor em direito econômico. E as evidências dos prejuízos causados pela “troca de favores” já acendem a sirene de alarme. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, órgão internacional que reúne 35 países, já divulgou estudos reveladores. Eles mostram que empresas envolvidas em práticas ilícitas perdem metade de seu valor. E que as multas por corrupção correspondem em média a 34% do lucro. o empresário brasileiro ainda acredita que a ética reduz os resultados, afirma Rubens Mazzali, professor de governança corporativa da FGV. Afinal, há a convicção generalizada de que todo o sistema está corroído e, portanto, não há como prosperar sem entrar no “esquema”. Mas os acontecimentos recentes começam a estremecer essas certezas. Agora o empresário começa a entender que a sua competitividade está ameaçada. Além da baixa eficiência, a companhia se enfraquece. “E o melhor, todo empreendedor sabe, é manter um negócio valioso seja para venda ou como herança”, explica Mazzali.

50% perda de valor no mercado * empresa envolvida em práticas ilícitas

34% do lucro * esse é o percentual médio pago em multas por empresas corruptas em todo o mundo

*Fonte: OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico)

Estudo Brasil: Ebitda cai

Investimento desperdicado
Um núcleo de pesquisa brasileiro, formado por professores de importantes universidades públicas, analisou 138 empresas entre 2011 e 2014 a partir de uma plataforma da Standard & Poors. Uma das variáveis analisadas foi a relação entre investimentos e Ebitda das empresas conforme o grau de corrupção do Estado onde atuavam.

Durante o período analisado no estudo, a cada 1% investido pelas empresas, o Ebitda…
… caiu 2,14% quando atuavam em ambientes altamente corruptos
0,94% quando atuavam em ambientes corruptos

“O que os dados mostram é que o ambiente corrupto reduz a eficiência dos investimentos realizados pelas empresas”, afirma Leonardo Andrade Rocha, professor da Ufersa (Universidade Federal Rural do SemiÁrido, RN), líder do grupo, que conta também com estudiosos da Unicamp (SP), PUC-PR e Universidade Federal do Ceará. A exemplo do que foi constatado no estudo de Harvard, a queda do Ebitda também ocorre porque a corrupção canaliza recursos que deveriam ser destinados a aumentar a eficiência das empresas, como melhorias de processos, inovações, entre outros. Além disso, as empresas se preocupam menos em se certificar de que o investimento trará o resultado esperado, uma vez que acreditam estar “garantidas” pelos benefícios “comprados ilicitamente”, como um incentivo fiscal ou um contrato de fornecimento a órgãos públicos. “O que enxergamos aqui é basicamente um custo de oportunidade. O empresário, executivo ou profissional da empresa acredita que terá um retorno maior destinando parte dos recursos, por exemplo, a propinas pagas a um órgão público”, explica o professor da Ufersa. Neste estudo, também se confirma o fato de que a vantagem obtida pode até trazer um aumento de vendas pontual, mas, em longo prazo, a empresa sente o impacto de não ter buscado melhorias de eficiência e produtividade. “O risco de escolher a corrupção é a perenidade do negócio. Ao não destinar recursos ao que é essencial, a companhia não se prepara para o futuro”, comenta.

Hora de reavaliar os riscos e mudar de atitude
Os especialistas concordam que é cada vez maior o risco de as empresas serem pegas por realizarem atos ilícitos. A lei anticorrupção, dizem eles, ainda está em fase de amadurecimento, mas deve exigir daqui para a frente uma mudança de mentalidade das empresas. A partir de agora, manter justificativas e, principalmente, continuar apostando na impunidade, poderá ser bem mais perigoso

Insegurança jurídica e formas legais de ganhar mais

É comum ouvir de empresários que, se não cederem ao pagamento de fiscais, não há como manter uma loja aberta ou inaugurar uma nova unidade. Para Alexandre Ribeiro, diretor da R-Dias Assessoria de Varejo, o excesso de exigências nas leis é um fato, assim como a falta de objetividade da legislação, que abre inúmeras possibilidades de interpretação, além da má-fé de grupos de funcionários públicos. “Existe muita insegurança jurídica e brecha para cada um interpretar a lei à sua maneira”, afirma Ribeiro. Mas o grande problema é transformar isso em justificativa para não avaliar riscos e buscar formas ilegais de obter ganhos. “É preciso avaliar a questão criminal e cível à qual o empresário expõe a si e a própria família. Há formas de reduzir custos atuando dentro da legislação e de elevar a rentabilidade focando o negócio, ou seja, a operação, o comercial, a logística, entre outros”, aponta o especialista. “Há empresas que atuam estritamente dentro da lei e conseguem lucro na casa de 5% a 7%, bem acima da média do setor”, defende.

Brasil ainda está amadurecendo no que se refere à questão da corrupção e da percepção de impunidade. É no que acredita Guilherme Meister, sócio da área de investigação de fraudes da EY (Ernst & Young). “Para fazer um paralelo, a lei norte-americana que combate esse problema é da década de 1970. Desde então, ela evoluiu e os grandes casos de aplicação, com acordos entre empresas e Justiça, ocorreram nos anos 1990”, explica o executivo. “No Brasil, a lei anticorrupção data de 2013. Os maiores casos começaram a surgir no final de 2014. De lá para cá, houve uma série de grandes acontecimentos, que têm mostrado o quanto o assunto é sério no País. Apesar disso, a ideia de agir conforme a lei ainda não se incorporou à cultura corporativa. Mas está indo nessa direção”, completa Meister.

  • 70% dos executivos brasileiros creem que as investigações de corrupção não se converterão em condenações
  • 20% dos executivos brasileiros acham que as ações do governo terminarão em condenações
  • 10% dos executivos brasileiros acreditam que essas iniciativas não vão gerar punições

Hora de reavaliar os riscos e mudar de atitude

Pressão por mudancas

Reduzir a burocracia e a complexidade das leis brasileiras é uma forma de combater a corrupção. É no que acredita Luiz Eduardo Peixoto, economista e editor do site Terraço Econômico. Para ele, o governo iniciou mudanças que podem ter efeito positivo nesse sentido, como a reforma trabalhista e a lei da terceirização. “Mas ainda é necessário dar passos maiores, com a reforma tributária, a desburocratização na obtenção de alvarás ou a agilização na abertura de empresas, entre outras medidas que podem reduzir o chamado custo Brasil”, avalia o economista. Peixoto também alerta para uma importante mudança que deveria ocorrer no comportamento da classe empresarial. “Os empresários devem pressionar líderes e governo para a aprovação dessas medidas que visam melhorar o ambiente de negócios. Eles ganham força conforme fica claro que podem gerar mais emprego e pagamento de impostos com essas medidas”, enfatiza.

Desburocratizar já: Essa deve ser uma das bandeiras das empresas, para se proteger das mãos corruptas

Melhor planejamento
Enquanto a situação não se resolve, é preciso ter um melhor planejamento. A ideia é reduzir problemas que acabam levando a atitudes inadequadas. “Se uma licença de funcionamento demora, o ideal é planejar a obra e a abertura da nova loja considerando um prazo maior”, exemplifica Silvinei Toffanin, diretor da Direto Contabilidade, Gestão e Consultoria. Na mesma linha de raciocínio, é possível ter blitz nas lojas para checar a validade dos produtos nas gôndolas e comitês responsáveis pela avaliação dos procedimentos de manipulação de alimentos.

Cultura de cima para baixo
Obter uma vantagem a partir de um ato ilícito é um comportamento comum não apenas a empresários, mas também a muitos funcionários. “No Brasil, a maioria das pessoas não vê no trabalho um caminho para a ascensão. Ao contrário, elas procuram atalhos para se beneficiar, pois veem amigos, governo e entidades ganhando ao agirem de maneira indevida”, afirma o economista Luiz Eduardo Peixoto. Para ele, a mudança de cultura precisa envolver toda a sociedade, incluindo empresas e colaboradores. “Em vez de destinar recursos a propinas ou outros meios ilícitos, o empresário poderia, por exemplo, investir em meritocracia. Criar programas que distribuíssem recursos entre os funcionários, conforme atingissem objetivos, estimularia uma mudança de atitude, aumentaria a produtividade e incentivaria a inovação”, afirma o especialista.

Governança e compliance: ética na prática

Enquanto a governança consiste em processos, políticas e regulamentos que norteiam a forma como a empresa é dirigida, o compliance diz respeito aos mecanismos implementados para garantir o cumprimento das leis. Em comum, eles ajudam a inibir as irregularidades praticadas na empresa. Saiba mais.

Novo pensamento
De nada adianta implementar programas de governança e compliance se a mudança de atitude não partir do empresário. “O dono precisa entender que é impossível se apropriar para sempre de vantagens indevidas. Pode demorar anos, mas uma hora a conta chega. E cara”, diz Sérgio Noia, sócio da consultoria Enéas Pestana & Associados. O exemplo precisa vir de cima. Noia cita um estudo no qual se constatou que cerca de 20% das pessoas são absolutamente corretas em sua conduta. Em outro extremo, 20% burlam sempre a lei para obter vantagem. Já os outros 60% agem de acordo com o meio em que vivem. Se estiverem num ambiente corrupto, se sentirão à vontade para agir ilegalmente.

Punição e tolerância
Imagine a seguinte situação: o comprador de um supermercado lança no sistema um valor de bonificação que ainda não foi aceito pelo fornecedor, aumentando assim o seu resultado e o do departamento. Chega o fim do mês, ele não consegue a aprovação do fabricante, mas mantém a bonificação no sistema de gestão. Essa atitude incorreta irá gerar, mais tarde, uma quebra no resultado da área comercial e da empresa. Situações como essa podem ser evitadas ao se adotar mecanismos de controle, como autorização de superiores para o lançamento de valores no sistema. Outro ponto é averiguar o que motivou o funcionário, para entender se é o caso de treinamento. “Uma coisa é o erro. Outra, é o ato de má fé que deve ser punido com o desligamento do profissional”, alerta Sergio Noia.

Tripé da irregularidade

Segundo Wagner Giovanini, consultor na área de compliance, existem três fatores que incentivam o ilegal:

  • Oportunidade: ela surge quando há falta de preparo da empresa. Ou seja, quando ela não conta com mecanismos e processos que permitam identificar irregularidades
  • Justificativa ou racionalização: quando as pessoas encontram “desculpas” para agir indevidamente e ficar com a consciência limpa. São pensamentos como: “se eu não pagar, outros pagam e fico para trás”
  • Pressão: quando, por exemplo, há uma meta muito difícil de ser cumprida

Governança e compliance: etica na pratica

Para a Governança Corporativa dar certo

Confira abaixo os primeiros passos para implementar um programa de governança corporativa, conforme o consultor Sérgio Noia:

  • Ter pessoas certas no lugar certo
  • Adotar um código de conduta com regras internas de autonomia e responsabilidade bastante claras
  • Ter mecanismos de controle, sempre tomando cuidado para não engessar a empresa
  • Investir na educação interna (conscientização, diálogos, palestras, etc.)

Veja as recomendações de Wagner Giovanini, especialista no tema:

  • O dono e o executivo do primeiro escalão precisam querer a mudança e estarem convictos da necessidade de mudar a cultura
  • Os procedimentos definidos precisam ser simples e enxutos, mas terem consistência
  • É preciso identificar riscos, mapeá-los e estabelecer as medidas para evitá-los
  • Instalar um canal de denúncias, que garanta anonimato e no qual as pessoas se sintam à vontade para contatar, sem medo de retaliação

Criar um comitê ou grupo responsável pela apuração das denúncias e aplicação das medidas de correção

Investimento em compliance
Pesquisa mundial realizada neste ano pela Alix Partners, especializada em compliance, identificou um crescente número de empresas que investem em mecanismos de proteção. Veja as principais constatações:

  • 76% dos entrevistados afirmam estar fazendo negócios em país de alto risco
  • 60% dos entrevistados implementaram programas anticorrupção nos últimos 10 anos
  • 37% Dos que aderiram ao compliance receberam denúncias de atos ilícitos nos últimos 12 meses. Em 2016, eram 27%

Por: Alessandra Morita/Supermercado Moderno